Entrevista com o Eng. Hélder Silva, Director Técnico do SNBPC e responsável pelo actual relacionamento com os radioamadores.

(Entrevista em ficheiro .pdf)

Revista QSP: De há uns tempos a esta parte a comunidade dos radioamadores tem consciência de que algo está a mudar na atitude das entidades oficiais responsáveis pela Protecção Civil. Conhecendo-se desde sempre as potencialidades dos radioamadores, porque surge esta nova atitude?

Eng. Hélder Silva: Eu gostaria de enquadrar esta atitude numa postura que foi iniciada à cerca de um ano e meio e que consistiu no início do estabelecimento de relações de cooperação entre o ex-SNPC (Serviço Nacional de Protecção Civil) e as diferentes associações de radioamadores existentes em Portugal.
Como muitos dos radioamadores seguramente se recordam e compreendem, o processo de fusão a que foi sujeito o ex-SNPC o ex-SNB (Serviço Nacional de Bombeiros e a x-CNEFF (Comissão Nacional Especializada em Fogos Florestais) e que deu lugar ao actual SNBPC (Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil), levou a que todos os desenvolvimentos até aí efectuados tivessem sido “congelados” (nesta e noutras áreas), afim de permitir que o novo Serviço pudesse definir a sua futura política de alianças e de cooperação.
Como também se recordarão, só em Outubro do ano passado foi possível submeter à consideração da nova presidência a questão do relacionamento da Protecção Civil com os Radioamadores.
Nessa mesma data o assunto foi considerado de grande importância e de imediato foi dada “Luz Verde” para reactivar todo o BOM relacionamento já existente e se possível melhorar. Sobre o passado longínquo, que não domino, tenho muita dificuldade em pronunciar-me.
No entanto, não posso deixar de referenciar, que sobre as “relações de cooperação”, tentativas ou falta delas, que foram sendo esboçadas entre os Radioamadores e a Protecção Civil Nacional, sempre me foram transmitindo (interna e externamente ao Serviço) que se tratava de um caso perdido, pois já tinham sido efectuadas muitas tentativas inglórias.
Como sabem, os que de mais perto comigo têm privado, a palavra desistir não se encontra (até à data) no meu dicionário. Referindo-me exclusivamente aos últimos dois anos, posso assumir que desde o primeiro dia que assumi funções no ex-SNPC, reconheço a grande mais-valia que os NOSSOS radioamadores, devidamente organizados e enquadrados poderão trazer ao País, como complemento dos sistemas de comunicações de emergência instalados.
Para corroborar esta minha opinião, basta relembrar o excelente desempenho que os radioamadores tiveram no passado em situações de emergência.
Casos como o acidente ferroviário de Alcafache, ou mais recentemente, das inundações e deslizamento de terras da Ribeira Quente (Açores), ilustram bem a importância e a potencialidade dos Radioamadores.

QSP: Sabemos que para este ano de 2004 existe uma “assumpção clara por parte do SNBPC em estreitar e organizar as relações e a cooperação com os radioamadores”.
Pode traçar-nos uma perspectiva dos objectivos que se pretendem atingir durante os próximos meses?

HS: É verdade. Nós elegemos o ano de 2004 como o ano da viragem. Pretendese uma viragem franca, profunda e irreversível, por forma a que os nossos e vossos anseios se tornem realidade.
Assim, desde o passado dia 24 de Janeiro, foram definidos 6 objectivos para o presente ano. Todos os objectivos serão efectuados em estreita parceria com as associações bem como com os radioamadores isolados que se mostrem disponíveis para em conjunto se trabalhar.
O primeiro objectivo consiste na produção de um pequeno filme, subordinado ao tema “Os Radioamadores e as Comunicações de Emergência”.
Este filme deverá ter a duração de 30 minutos e deverá conter uma síntese histórica do radioamadorismo em Portugal, bem com, dos meios disponíveis que poderão ser utilizados em situações de emergência. Serão ainda apresentadas imagens de situações de emergência onde os radioamadores intervieram como complemento das comunicações instaladas.
Este Filme deverá estar terminado até meados do próximo mês de Abril. O segundo objectivo consiste no enquadramento dos radioamadores como voluntários de Protecção Civil. É urgente constituir e manter uma bolsa de radioamadores.
Questões tão essenciais como a existência de um seguro de acidente pessoais em caso de intervenção, seguro de equipamentos, etc., deverão ser aclaradas e resolvidas.
Se a legislação existente não responder às necessidades, estamos disponíveis para propor as alterações julgadas necessárias.
Assume-se que este trabalho é de grande profundidade e de extrema importância, mas que necessitará de tempo para que seja produzido com a qualidade que todos desejamos.
Assim, prevê-se a sua laboração durante todo o ano de 2004.
O terceiro objectivo consiste na produção de um manual de conduta dos radioamadores em situações de operações de Protecção Civil.
Preconiza-se um pequeno manual de bolso, formato A5, tipo check-list, onde o radioamador possa encontrar resposta às perguntas mais elementares sobre:
O que fazer ?; Quando fazer ?; Como fazer ?; Onde fazer?, para poder ser um elemento válido na área das comunicações de emergência.
Este trabalho deverá ser baseado em trabalhos já existentes noutros países e prevê-se a sua conclusão em Maio próximo.
O quarto objectivo consiste na elaboração do Plano Nacional e Distritais de Comunicações de Emergência para Radioamadores.
Este objectivo visa claramente aproveitar muito do trabalho já realizado por muitas associações e radioamadores isolados.
Assim, este trabalho deverá entroncar perfeitamente no Plano Nacional de Comunicações de Emergência, que se encontra actualmente em fase de revisão. Estamos assim na altura ideal para se trabalhar neste assunto.
Preconiza-se a sua concretização até ao final do corrente ano. O quinto objectivo consiste em levar a cabo o 3º Exercício Nacional de Comunicações de Emergência (SIGEX 2004), onde os radioamadores deverão uma vez mais desempenhar um importante papel.
Estamos a trabalhar por forma a que o referido Exercício possa ter lugar antes do Verão e do Euro 2004. A data de 15 de Maio é a data que já está reservada para o evento. O sexto e último objectivo, deverá ter lugar no próximo dia 17 de Abril de 2004, na Figueira da Foz e consiste na realização de um Seminário Nacional subordinado ao tema “ A Protecção Civil e os Radioamadores”.
O Seminário terá a duração de um dia, contar-se-á com a presença de cerca de 800 convidados de entre Radioamadores e Autoridades Nacionais na área da Protecção e Socorro. Pelo entusiasmo que tenho sentido dentro do grupo que está a organizar este evento, poderei desde já arriscar que o mesmo será um sucesso e mais um marco que contribuirá para a viragem que falei no início desta resposta.

QSP: Qual é a faceta que mais o surpreende no relacionamento que encetou com os radioamadores?

HS: Vou responder a esta pergunta de uma forma muito objectiva, ou seja, como costumo dizer aos meus amigos: “não vou enxugar o gelo”. De todas as reuniões que tive o privilégio de realizar, de todos os trabalhos onde tenho participado, a todos os eventos (feiras, etc.) onde tenho tido o prazer de assistir, sempre fui tratado com grande amizade e companheirismo e a máxima deferência por parte de TODOS os radioamadores.
Sempre que lancei desafios, exemplificando os que enunciei na resposta anterior, sempre responderam à chamada, sem nada esperarem em troca. Sempre se deslocaram por expensas próprias aos vários pontos do país onde foram convidados a estar.
Perante este cenário, sinto muito sinceramente, que quando estou entre Radioamadores, estou entre AMIGOS.

QSP: Sabemos que as Associações de radioamadores, têm sido os interlocutores preferenciais para fazer chegar a mensagem aos radioamadores. Que pensa fazer o SNBPC nos distritos os regiões em que não existem associações de radioamadores activas?

HS: É verdade. O SNBPC, por questões de princípio e de facilidade, tem privilegiado os contactos com as Associações. Como todos compreenderão, da nossa parte é mais fácil ter 1 interlocutor do que 20, ou sendo realista, mais fácil ter 20 Associações do que 5500 interlocutores isolados.
Como todos sabem, o nosso lema desde início tem sido “tratar todos de igual forma, sem protagonismos pessoais, institucionais ou associativos”. Só assim tem sido possível a excelente e extensiva colaboração que de todos temos recebido.
Estamos cientes que dos cerca de 5500 radioamadores licenciados, só cerca de 40% estão associados.
Dentro deste cenário, o SNBPC já conseguiu junto da ANACOM a lista com os contactos/moradas de todos os radioamadores existentes a nível nacional, por forma a que se possa fazer um Mailing para se informar e convidar todos os radioamadores a participar activamente nesta bolsa de radioamadores voluntários de Protecção Civil na área das Comunicações de Emergência.
Considero que com a formação da Bolsa, será possível envolver as nossas estruturas Distritais e numa fase subsequente as estruturas Municipais, para que desse envolvimento se possa criar e fortalecer os desejáveis laços locais.
Nesta questão, a descentralização será seguramente a palavra-chave. Neste caso, o esforço de ligação será feito de cima para baixo (nível Nacional para o nível Distrital e depois do nível Distrital para o nível Municipal). Aliás, considero que o envolvimento Municipal será a pedra de toque deste processo.

QSP: Sob o ponto de vista técnico, acha que o SNBPC pode adquirir uma mais valia com o enquadramento dos radioamadores nos circuitos de socorro e emergência?

HS: Como julgo que já deixei bem claro, considero que a colaboração dos radioamadores deverá ser sempre encarada como uma mais valia técnica e humana, vocacionada para o complemento aos sistemas de comunicações existentes.
Pela sua dispersão geográfica, pela sua pluralidade de meios e sistemas, pela sua disponibilidade em função da sua actividade profissional, pelo seu espírito de bem-fazer, pela sua quantidade, pela sua qualidade e como muitos dizem e eu subscrevo (amadores, mas muito profissionais na actividade) os radioamadores constituem-se como uma preciosa reserva nacional na área das Comunicações de Emergência.
Os ditos países ricos e desenvolvidos, já reconheceram essa valia. Portugal não se pode dar ao luxo de a desperdiçar. Para isso, a colaboração de todos (Radioamadores, Protecção Civil e ANACOM) é fundamental. Assim, não vamos esperar que os outros façam por nós aquilo que nós podemos, sabemos e queremos fazer.

QSP: Dos tradicionais modos de comunicação utilizados pelos radioamadores até aos modos mais sofisticados que lhe foram demonstrados pelos radioamadores, existe algum modo que em particular o surpreendesse pela utilidade prática ou que eventualmente possa aplicar em projectos comuns?

HS: Começo por me lembrar do HF, cada vez mais em desuso, mas que cada vez faz mais sentido pensar nele.
Bem sei, que mesmo dentro da comunidade radioamadora nem todos dispõem destes modos e meios de comunicação.
Se lembrar-mos que em situações de emergência, os repetidores de UHF e VHF poderão ficar facilmente inoperacionais, a reserva estratégica do HF dá-nos um grande conforto, face à independência de estruturas repetidoras.
As novas tecnologias associadas ao radioamadorismo, destacando desde já o APRS e a TVA (de entre outros), constituem por si só, duas áreas de potencial interesse. O APRS poderá ter grande utilidade para localização de viaturas.
A TVA, para fazer chegar aos centros de decisão, imagens dos locais da catástrofe ou calamidade. Do que me tenho apercebido, qualquer um destes meios e sistemas ainda estão em fase inicial de instalação, não se dispondo de uma rede de cobertura nacional.

QSP: Considerando que a rede de comunicações do SNBPC é uma rede baseada essencialmente na cobertura em VHF e links de interligação em UHF, tem planos para a adaptar também às bandas de amador, de modo a proporcionar a interligação rápida aos radioamadores em caso de catástrofe? Como?

HS: Tenho, se me deixarem! Está previsto no plano de actividades do SNBPC para este ano, a instalação de um equipamento rádio multibandas (HF, VHF e UHF) em cada um dos Centros Distritais de Operações de Socorro.
Este equipamento destina-se a ser operado, quer pelos nossos operadores nas nossas frequências, quer pelos radioamadores que connosco queiram colaborar em situações de emergência ou exercícios. Complementarmente, estamos a melhorar e uniformizar os equipamentos instalados nas nossas unidades móveis de comunicações, designadas por VCOC (Veículo de Comando Operações e Comunicações).
Dentro desta uniformização está prevista a instalação do mesmo equipamento rádio multibandas, de forma a potenciar a existência de um posto de operador para radioamador dentro destes veículos.
Existem outras possibilidades, mas que nesta altura será prematuro estar a divulgar pois envolve terceiros, mas se se concretizarem será mais um passo na aproximação desejada.

QSP: Pensa que da parte dos Coordenadores Distritais já existe uma consciência efectiva de que os radioamadores estão presentes e prontos a colaborar se necessário em caso de catástrofes ou emergências?

HS: Isto do envolvimento dos Coordenadores Distritais é um processo. Como todos os processos tem o seu timing e é preciso saber dar tempo ao tempo.
Penso que nesta como noutras situações, a imagem tem valido por mil palavras. Refiro-me à imagem que tem sido dada pelas equipas de radioamadores que se têm deslocado aos Centros Distritais aquando da realização dos dois exercícios SIGEX passados.
Por cada exercício, ouço uns quantos senhores Coordenadores a dizer que nunca se tinham apercebido da mais-valia que os Radioamadores representam para o seu Distrito em situações de emergência.
Garanto-vos, com grande satisfação da minha parte, que este número tem vindo a aumentar consideravelmente. Acresce o facto de com a fusão do Serviço (SNBPC), quase todos os antigos Delegados Distritais da extinta Protecção Civil saíram. Eram estes senhores que tinham iniciado o processo de aproximação aos radioamadores nos seus Distritos.
Com a entrada de novos Coordenadores (16 novos em 18) foi necessário estar a explicar novamente todo o processo.
Sublinho que da parte de todos tem existido uma excelente receptividade. Gostaria de referir a grande dificuldade que tenho sentido em encontrar colegas radioamadores nos Distritos do interior Centro e Sul, especialmente Portalegre e Évora.
Da parte dos Senhores Coordenadores destes Distritos tem sido feito algum esforço em encontrar radioamadores disponíveis, mas nem sempre tem sido fácil. No que diz respeito aos outros Distritos a situação já está mais facilitada.

QSP: Qual o papel que espera que a ANACOM possa vir a desempenhar neste contexto de inter-colaboração com o SNBPC e radioamadores?

HS: Como podem testemunhar todos aqueles que têm acompanhado mais de perto este processo, eu não tenho prescindido de convidar a ANACOM a estar presente em todas as reuniões e exercícios que temos levado a cabo com os radioamadores.
Só com o envolvimento positivo e franco de todas as partes se poderá chegar a “bom porto”. Nós estamos neste processo com a melhor das intenções, temos sentido que da parte da ANACOM também têm estado com um espírito aberto e facilitador, nunca obstacularizando qualquer proposta feita. Se a situação se mantiver, o que tudo indica que sim, contamos sempre a colaboração da Autoridade Nacional.
Do meu ponto de vista, a ANACOM através dos seus representantes que connosco têm colaborado, tem de alguma forma mudado a sua visão face ao papel dos radioamadores como potenciais parceiros nas comunicações de emergência em Portugal.
Se tenho a ousadia de o dizer aqui publicamente é porque o sinto nas atitudes e nas palavras que para comigo têm tido. Em resumo, preconizo e desejo que a ANACOM seja um parceiro neste processo, para que todos possamos beneficiar e acima de tudo permitir atalhar e encurtar o muito caminho que há a percorrer.

QSP: Uma última pergunta, sente-se de algum modo seduzido pela actividade dos radioamadores, de modo a que preveja um dia destes fazer exame de radioamador, ter um indicativo pessoal e possuir a sua estação de amador?

HS: Esta pergunta é a mais difícil de responder! Tenho um respeito muito grande pelos Radioamadores Portugueses.
Sinto que têm toda a razão para se sentirem “desaproveitados”, “secundarizados”, “pouco acarinhados”, “nada ajudados”, etc., etc., etc. Enquanto sentir forças, vontade e saúde para lutar por esta causa, como já o assumi anteriormente, lutarei! E lutarei sempre para colocar o bom nome de TODOS os Radioamadores Portugueses no lugar onde eles merecem.
Como muitos sabem, a minha formação de electrotécnico e de profissional das telecomunicações está-me sempre a puxar para estas coisas.
O bichinho morde muitas vezes. Tenho ainda de confessar, que já fui à ANACOM com o intuito de me inscrever para o exame de amador.
Mas quando estava à porta, tive um sonho. Sonho esse que vos posso aqui revelar:
Só me candidatarei ao exame de Radioamador quando conseguir unir em torno da Protecção Civil todos os Radioamadores Nacionais.
- No dia que eu sentir que este sonho está realizado, sentirei que TODOS estamos mais “ricos”, pois passamos a estar melhor protegidos, comunicando melhor na emergência.
- No dia que eu sentir que este sonho está realizado, sinto que TODOS fizemos algo mais e melhor pelo nosso próximo.
- No dia que eu sentir que este sonho está realizado, sinto que TODOS deixamos um legado importante às gerações vindouras (filhos e netos).
- No dia que eu sentir que este sonho está realizado, sinto que TODOS deixamos de parte as quezílias entre Associações, Instituições e Grupos e passamos todos a comungar do mesmo ideal.
- No dia que eu sentir que este sonho está realizado, sinto que EU mereço fazer parte dos Radioamadores Portugueses. Para que o sonho se torne realidade, só me resta trabalhar e pedir-vos ajuda!
Um grande abraço a todos e permitam-me a ousadia de vos enviar 73’s
Hélder Sousa e Silva

Fonte Informação: QSP – Revista de Rádio e Comunicações
Entrevistador – Sílvio Leiria, CT1BPT
Informação recolhida/recebida para o AHRAP por Carlos Nora, CT1END

 

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