Agora que os incêndios florestais já estão praticamente acabados, deixo aqui um artigo de opinião que publiquei em 6 de Agosto de 2005. Oito anos passados tudo o que escrevi, infelizmente, continua actual. É muito triste mas é verdade. A minha homenagem sincera aos Bombeiros de Portugal e a todos que directa, ou indirectamente combateram este flagelo. Às famílias enlutadas os meus sentidos pêsames.

A TOURADA


Todos os anos é a mesma mascarada de quem incendeia, como se pode evitar o incêndio, os meios de combate ao incêndio são poucos, a prevenção ao incêndio é restrita, as verbas são reduzidas para fazer face ao problema, os políticos sacodem a água do capote, etc., etc. e etc..
No fim da época dos incêndios e dos incendiários, que coincide - mais ou menos - com o fim da época balnear, todos nós respiramos de alivio porque a tormenta passou apesar de termos ficado mais pobres, ligeiramente chamuscados e com algumas bolhas na pele devido a algum escaldão que não estava nos nossos planos.
Ficámos com o nosso património florestal mais reduzido, alguns ficaram com o seu sustento em risco, outros receberam auxílio médico e hospitalar devido a queimaduras e intoxicações provocadas pelo fumo, os bombeiros ficaram com algumas dezenas de metros de mangueiras queimadas, diversos carros avariados outros parcialmente destruídos, os meios aéreos terminaram os contratos milionários e recolheram ao hangar, os incendiários foram de férias de inverno, porque a água e a humidade é inimiga das chamas e os tribunais têm mais com que se preocupar do que reter essa gente, os políticos – como habitualmente – vem com a demagogia barata dos números e estatísticas bem preparadinhas para “portuga” ver e ouvir no telejornal da noite.
O rescaldo foi feito e as conclusões oferecidas ao zé contribuinte numa bandeja de lata cromada a imitar aço inox (a prata foi vendida para equilibrar o orçamento geral do estado), ainda cheirando a esturro.
Depois de se concluir que foram mais umas centenas ou milhares de hectares subtraídos à mancha florestal nacional e ao pulmão natural que purifica o ar que todos nós deveríamos de respirar, o pano da amnésia colectiva cai sobre a cena, encerrando o último acto desta “teatrada” cujos protagonistas somos nós todos.
Só que este ano o caso muda de figura. Este ano a desgraça costumeira virou em hecatombe.
A época de incêndios acabou e há a lamentar vidas perdidas, centenas de habitações consumidas pelas chamas, muitas indústrias e vastas áreas agrícolas totalmente destruídas, muitas aldeias parcial ou totalmente consumidas por monstruosas colunas de fogo, um número incalculável de vidas arruinadas, de dezenas de anos de árduo trabalho perdidos em poucas horas e famílias em pânico total.
Enfim, um turbilhão de desgraça, medo, frustração, raiva, revolta e sei lá que mais sentimentos e emoções podem passar por toda esta população afectada directa ou indirectamente por esta real, mas incompreensível calamidade nacional.
Todos os Distritos de Portugal estiveram em chamas. Portugal, como é hábito, voltou a arder. Ninguém tenha dúvidas que mais uma enorme desgraça nos bateu à porta. Ninguém tenha dúvidas que, infelizmente, todos nós, mesmo os que nada directamente sofreram pois estiveram a gozar as suas férias merecidas à beira-mar, iremos pagar uma factura muito pesada devido às consequências desta calamidade.
E agora? Agora o que é vai acontecer? Para já, e de imediato, surgiu em toda a comunicação social, deste país à beira mar queimado e em cinzas, outra vergonha nacional: as autoridades entraram em rota colisão.
Ninguém se entende, acusam-se mutuamente e quase que se insultam, criando aos olhos dos portugueses um vergonhoso e degradante espectáculo mediático. Chaga-se ao extremo de se afirmar que os bombeiros sapadores não sabem apagar fogos.
O Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil é acusada de incompetência e falta de coordenação. A Associação Nacional de Bombeiros Profissionais ameaça que depois dos fogos apagados não mais irá obedecer ao Coordenador Nacional.
A Liga dos Bombeiros Portugueses insurge-se contra quem põe em causa ou se esquecem do valor demonstrado pelos bombeiros voluntários, solicitando ao Ministro da Administração Interna uma reunião magna com a presença da Associação Nacional de Municípios Portugueses e dos principais responsáveis operacionais que estiveram no terreno ao longo da calamidade que tem afectado o nosso país.
Alguns autarcas acusam os bombeiros de ineficácia e falta de coordenação no ataque aos incêndios, pedindo a demissão do Ministro da Administração Interna.
O que é que se está a passar em Portugal? Já não bastava a grave crise económica e financeira em que a todos nós estamos mergulhados e nos obrigam, em grande parte, a resolvê-la?
Os consequentes despedimentos em série causando o endividamento e lançando para um estado quase de pobreza, milhares de famílias portuguesas, resultando numa taxa de desemprego nunca atingida.
A corrupção desenfreada e descarada de uma larga franja da nossa sociedade académica, desportiva, política, judicial, policial que traçam e influenciam a nossa vida, destinos, tendências, opiniões, vigiando os nossos actos e fazendo com que cumpramos as leis com tudo o rigor.
O vergonhoso e nojento escândalo nacional do abuso sexual de crianças, perpetrado, compulsiva e continuadamente por figuras públicas conhecidas e estimadas, algumas delas pertencendo ao aparelho do estado.
A ineficácia demonstrada, ao longo de todos estes anos, pela máquina judicial e judiciária na investigação, julgamento e condenação de tão hediondos crimes.
A complacência e a total apatia da classe política governante que, com conhecimento dos factos, deixou a nódoa alastrar, irremediavelmente, ao longo de todos estes anos, contribuindo para o desespero e suicídio de algumas das muitas vítimas inocentes da sofreguidão sexual asquerosa de alguns, considerados, intocáveis...
A nossa dependência do exterior, com maior evidência para os nossos vizinhos espanhóis, que já dominam o nosso mercado financeiro “obrigando-nos” a consumir, em grande maioria, os produtos alimentares, vestuário, calçado e muito mais, contribuindo para o agravamento da balança de pagamentos com o exterior e a costumeira última posição no ranking dos países pertencentes à união europeia.
Tudo isto e muito mais, é bem o espelho daquilo que Portugal é, e nós portugueses somos obrigados a ser em tempo e espaço real e não virtual.
Com toda esta carga em cima de nós, ainda temos que assistir ao triste espectáculo das confrontações verbais das entidades que, mais do que nunca, deveriam estar unidas, lúcidas e colaborantes?
Todas estas situações acusatórias, entre entidades responsáveis, não serão a consequência lógica da falta de vontade política dos consecutivos governos que temos tido, para que, de uma forma substancial e efectiva possam minorar consideravelmente este flagelo nacional?
Apesar de não ser político, não pertencer a nenhum partido político, nem tão pouco perceber da função, nada me impede de ter uma consciência política e cívica como cidadão contribuinte e português.
A experiência de vida, boa ou má, que a vida me proporcionou e o conhecimento duro e real que tenho do nosso país, devido à minha vida profissional, obrigando-me a percorrer muitas centenas de milhares de quilómetros, ao longo de 40 anos, por veredas, caminhos de cabra, azinhagas, carreiros, caminhos florestais, estradas mais ou menos alcatroadas, estradas devidamente alcatroadas e auto-estradas, poderia dar uma opinião despretensiosa sobre a forma de minorar este flagelo dos incêndios florestais, se tivesse poder para o fazer.

Também com experiência adquirida ao longo de alguns anos (poucos), a que pertenci a uma Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários, tendo tido uma actuação activa no terreno, no combate a fogos na floresta, também não serei propriamente um leigo na matéria e poderei dar uma “achega” a determinadas situações que não me parecem muito correctas.

Os muitos anos em que todos meses participei nas expedições rádio CB às Serras de Portugal, usufruindo das instalações e do convívio dos vigias que se encontram nas respectivas torres no alto das Serras, deram-me a percepção e o conhecimento da nomenclatura estabelecida pelo Ministério da Agricultura para este sector da vigilância sazonal, com pessoas contratadas para o efeito mas sem um mínimo de preparação técnica para desempenhar uma função com um certo grau de responsabilidade, e pagas miseravelmente.
Nestas alturas todos dão opiniões e sugerem soluções para minorar, o mais possível, o flagelo dos incêndios florestais. Desde o Presidente da República, passando pelos membros do governo, entidades directamente responsáveis por esta problemática, sociedade civil e terminando no cidadãos comum.
Só que nada resulta. O problema continua ao longo dos anos e os cenários mantêm-se inalterados.
Infelizmente, uma coisa é certa e está mais que provado. Nem com o passeio ministerial obrigatório ao teatro das operações para “tuga” ver, consegue sensibilizar o poder, nem tão pouco criar consensos.

O ministro da tutela, quando salta do helicóptero da Autoridade Nacional de Protecção Civil (ANPC), tira o casaco, retira a gravata e perante toda o mediatismo da comunicação social, arregaça as mangas da camisa de seda pura, dizendo que é hora de sacrifícios e que a luta continua.
Depois de distribuir uns cumprimentos pelos presentes, desejar “sentidas” condolências aos familiares das vítimas mortais causadas pelos incêndios e louvar o trabalho de quem combate as chamas, inicia o processo demagógico do momento: faz um monte de promessas, para não serem cumpridas, e toca a andar para Lisboa que está na hora do jantar, pago pelos nossos impostos, num belo restaurante de hotel de luxo. É assim que funciona a febre do poder.
Deste modo, qualquer um de nós que gostasse de dar um passeio de helicóptero e tivesse algum jeito para o teatro, podia representar o papel de “O Senhor Ministro”.
Quanto à minha modesta opinião, pouco ou nenhum interesse terá para a nação. É mais um desabafo do que outra coisa. É um lugar-comum no turbilhão de ideias, conjecturas e soluções num mar revolto cujas ondas rebentam na praia do descontentamento de todos nós e no esquecimento dos que, na verdade, são detentores da vontade política para minorar esta medonha catástrofe.

Quando os homens e mulheres que detêm o poder deste, ou de outro qualquer lugar, quiserem abdicar do egoísmo redutor das suas manias, fomentar o consenso e a concórdia acabando, radicalmente, com antagonismos estéreis baseados no supérfluo e na mesquinhez humana, puserem de parte as rivalidades sem sentido e concluírem que, se o dinheiro existe é para ser gasto com coragem e inteligência, então estamos a caminhar para a resolução de muitos problemas.

Pura utopia, eu sei. A condescendência só faz efeito quando existe compromisso sério e entrega sentida. E nada disso cabe neste palco das vidas sofridas, destroçadas e muitas perdidas porque os homens e mulheres que detêm o poder de decisão neste país, nada podem fazer pelos interesses e bem-estar de todos nós.
Quando não somos ninguém e não passamos de uns “pés rapados”, como dizem os invasores brasileiros, dentro da nossa cabeça só há boas intenções e altruísmo.
Quando nos sentamos na cadeira do poder, a tal febre transforma-nos em demagogos e esquecidos do que fomos.

“Isto é só fumaça. O povo é sereno.” Já dizia o desaparecido almirante Pinheiro de Azevedo, que a todos nós mandava à merda, com todas as letras, perante as câmaras da TV (deles), paga com o nosso dinheiro, quando era primeiro-ministro de um dos muitos (des)governos que nos têm brindado depois da revolução dos cravos. É verdade. “Isto é só fumaça. O povo é sereno.”
Portanto, a solução parece-me que é só uma: deixa arder. Quando já não houver nada para arder, temos o problema resolvido.

Os bombeiros dedicam-se somente ao transporte de doentes e sinistrados;
os tribunais já não têm o trabalhos me mandar os incendiários em liberdade com penhas suspensas;
os políticos já não têm a chatice de andarem a fazer promessas vãs, a sujarem-se e a tropeçarem nos gravetos chamuscados dos pinhais que já deixaram de ser;
o povo rural dedica-se à indústria do carvão que irá alimentar as centrais termoeléctricas, produzindo assim electricidade, poupando ao estado uns milhões de Euros na importação de combustível.
Quem perdeu todo o que tinha pode recomeçar de novo na vizinha Espanha, onde o custo de vida é mais barato, os impostos mais baixos e os salários são o triplo dos deste “paraíso” onde vivemos.
Quem perde também com esta solução são as firmas milionárias contratadas para que os seus helicópteros e aviões despejem água sobre as chamas, e os políticos corruptos que vão deixar de receber as chorudas comissões pelas adjudicações directas às firmas dos amigalhaços aviadores.

Filme de terror? Ficção científica?
Nada disso, é o estado em que os governantes transformaram o nosso país, tornando-o numa continuada república de miséria onde os aldrabões florescem, os incompetentes governam, os intelectuais perderam a força de intervenção, os revolucionários aburguesaram-se, a esquerda trocou a cassete pelo DVD mas o conteúdo é sempre o mesmo, a direita vai cedendo terreno devido à ganância dos seus líderes e os velhos militares acomodam-se ao sistema.
Não há revoluções sem militares e hoje já não temos a força militar que possuíamos à trinta anos atrás.
Agora essa “força” está dispersa por Timor, Bósnia, Iraque, Afeganistão e sabe-se lá mais por onde, a ganhar do bom e do melhor, porque essa coisa de dar o “coiro” pela Pátria já foi chão que deu uvas... Como o povo diz, “ou há papel, ou não há palhaço”. É a teoria do mercenário.
Os chavões, as lengalengas e as ladainhas pós-revolucionárias perderam o sentido e já não convencem ninguém.
O povo já não se une como se unia, portanto já pode ser vencido.
A luta até pode continuar mas de uma forma mais folclórica, multirracial e sem consequências.

Enfim, só nos resta defender com unhas e dentes o que é nosso, explorar até à exaustão os benefícios que o aparelho do estado nos proporciona, não compartilhar nada com ninguém, “matar” para sobreviver e andar o mais despercebido possível nesta selva que todos nós criámos.
Solidariedade, tolerância, compreensão ou mesmo paciência, são atributos esquecidos e raramente praticados cá na selva.
Na imensa paisagem serrana carbonizada e ainda fumegante, cheirando a desgraça e morte, ainda tenho a esperança que a Fénix surja a tempo, porque se assim não for, será a nossa alma a transformar-se em cinzas.
Não quero mais estes politiqueiros corruptos que estão a destruir a esperança de uma vida digna e a liberdade, que nos foi prometida, há muitos anos atrás, pelos capitães, hoje generais.
Não quero mais estes generais de capoeira (que foram os tais capitães), marionetes do poder absoluto desta partidocracia conspurcada, que a troco de um prato de lentilhas nada fazem nem deixam fazer.
Não queria escrever o que escrevi. Apesar de tudo, ainda sinto a passar pelo meu rosto, enrugado e carrancudo, restos de uma leve e serena brisa do Outono que se aproxima com um subtil odor a Abril...
Como a sabedoria popular diz: enquanto há vida há esperança, e essa, é a última a morrer.
Se me permitirem o atrevimento, cito um grande poeta que no final de 1972 escreveu este poema que foi interpretado por Fernando Tordo no Festival RTP da Canção em 1973.
Sem qualquer conotação política da minha parte, pois não estou ligado a qualquer partido ou associação desse género, vejo que em trinta e um anos, tempo que vigora o actual regime político, os tiques sociais e a fantochada produzida pelos que sustentam o poder, são precisamente os mesmos dos tempos passados.



Letra da canção

Não importa sol ou sombra
camarotes ou barreiras
toureamos ombro a ombro
as feras.
Ninguém nos leva ao engano
toureamos mano a mano
só nos podem causar dano
espera.
Entram guizos chocas e capotes
e mantilhas pretas
entram espadas chifres e derrotes
e alguns poetas
entram bravos cravos e dichotes
porque tudo o mais
são tretas.
Entram vacas depois dos forcados
que não pegam nada.
Soam brados e olés dos nabos
que não pagam nada
e só ficam os peões de brega
cuja profissão
não pega.
Com bandarilhas de esperança
afugentamos a fera
estamos na praça
da Primavera.
Nós vamos pegar o mundo
pelos cornos da desgraça
e fazermos da tristeza
graça.
Entram velhas doidas e turistas
entram excursões
entram benefícios e cronistas
entram aldrabões
entram marialvas e coristas
entram galifões
de crista.
Entram cavaleiros à garupa
do seu heroísmo
entra aquela música maluca
do passodoblismo
entra a aficionada e a caduca
mais o snobismo
e cismo...
Entram empresários moralistas
entram frustrações
entram antiquários e fadistas
e contradições
e entra muito dólar muita gente
que dá lucro as milhões.
E diz o inteligente
que acabaram asa canções.

A Tourada
Letra de: José Carlos Ary dos Santos


Luís Forra
6 de Agosto de 2005
Republicado em 6 de Outubro de 2013


 

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