O PREÇO DE TUDO

Uma opinião do colega Vítor Reis que, com a devida permissão, transcrevemos do seu Blog. O preço de tudo e o valor de nada

Não é a primeira vez que esta polémica surge, tendo tomado no caso presente contornos que nos levam a outros tempos e a outras tecnologias, sem que a problemática de fundo alguma vez tivesse sido resolvida.

O Comandante dos Bombeiros Voluntários de Poiares é acusado por uma equipa do INEM de actuar fora das suas competências e criando obstrução aos serviços de socorro institucional.
O Comandante dos Bombeiros Voluntários de Poiares, acusa uma equipa do INEM de ser tardia na resposta e de pretender impedir que os bombeiros chegando primeiro ao local do acidente façam a intervenção adequada.

E qual é a situação do sinistrado ou do acidentado?

O Comandante dos Bombeiros Voluntários de Poiares apelou a todos os automobilistas para que quando programassem uma viagem incluíssem nessa programação uma listagem de telefones dos diversos quartéis de bombeiros voluntários que se situem no percurso.
Na certeza que dessa forma o socorro potencialmente necessário responda de forma mais atempada do que com o recurso ao telefone nacional de socorro – o 112.

Grave desentendimento este que surge numa época em que, quer o INEM, quer os quartéis de bombeiros voluntários estão equipados com os mais avançados meios de comunicação rádio.
Já lá vai o tempo, época em que se conhecia o valor de tudo e o preço de nada, em que o voluntarismo de um punhado de homens e de mulheres, mais de 30.000 no nosso País, com o recurso a um meio de comunicação rádio de TODOS, a Banda do Cidadão, ajudaram a salvar milhares de vidas com informações atempadas da verificação de acidentes na rede rodoviária.

Era a época em que a grande maioria dos quartéis de bombeiros voluntários faziam escuta no canal 9, canal de emergências da Banda do Cidadão, e aí recebiam os apelos de urgência dos milhares de veículos automóveis que circulavam nas nossas estradas equipados com rádio CB.

Porque continuamos a insistir em não valorizar o voluntariado?

26-08-2004

______________

A nossa opinião: há valores que não têm preço

Longínquo vai o ano de 1978 quando a Banda do Cidadão foi legalizada em Portugal, e quando surgiu, oficiosamente, no mês de Junho do mesmo ano, o primeiro grupo organizado de cebeístas na margem sul do Tejo, maioritariamente residentes nos Concelhos de Almada e Seixal.
Denominado por CROMAS (Clube Recreativo de Operadores Macanudos de Almada e Seixal), os seus elementos reuniam-se, normalmente, na delegação do Clube de Campismo do Concelho de Almada, na Rua Capitão Leitão, nº 75 - 2º na cidade de Almada, de onde saiu uma comissão instaladora para elaborar os estatutos para criação de uma Associação da Banda do Cidadão, cujo Presidente era a estação CB “Tangará”, operador Pinto morador na Cruz de Pau - Seixal, Secretário a estação CB “Adidas”, operador Ascensão morador no Laranjeiro - Almada e Tesoureiro a estação CB “Dakota Bravo”, operador Luís Forra morador na cidade de Almada.

Uma das primeiras deliberações surgidas e passada à prática, enquanto se tratava da elaboração dos estatutos e regulamento interno, foi a obrigatoriedade todos os elementos do CROMAS de associarem à recentemente formada Associação Portuguesa da Banda do Cidadão - APBC com sede num antigo, e já demolido, edifício da ex-pide em Sete Rios- Lisboa, cujos dirigentes foram os responsáveis directos, para o bem e para o mal, pela legalização da Banda do Cidadão em Portugal. (Ver artigo sobre o assunto)

Outra deliberação que também foi passada à prática, consistiu na oferta aos Bombeiros Voluntários de Almada de uma estação completa de CB, e respectiva montagem, para que escutasse o canal 9, na altura canal de emergência, dando seguimento a algum pedido de auxilio dos muitos cebeístas existentes da área.

Assim, os elementos do CROMAS, para oficializarem o acto da oferta, convidaram os elementos do Comando a estarem presentes numa cerimónia, mais ou menos solene, realizada nas instalações do Colégio “A Colmeia” na Sobreda - Almada, onde o colega Ascensão, secretário do grupo, era professor.

Lá compareceram o Comandante José Brás, o Segundo Comandante Júlio Ferraz, o Ajudante de Comando Lúdgero Brás e outros elementos dos B.V. de Almada.
A oferta foi entregue pelo CROMAS, os B.V. de Almada aceitaram, agradeceram e fizeram um pedido: que fosse um elemento do grupo ensinar e orientar as telefonistas existentes a operarem uma frequência que desconheciam, apesar de estarem habituadas a operar o VHF atributo aos bombeiros.

Assim, ficou deliberado que seria a estação CB “Dakota Bravo”, Luís Forra a orientar a montagem da estação CB na central telefónica dos bombeiros e dirigir o funcionamento da mesma, devido morar a escassos metros de distância do quartel e ter alguma disponibilidade de tempo e meios, sempre necessários para estas situações.

Foi o início de uma colaboração estreita entre Bombeiros, cebeístas e a Associação Portuguesa da Banda do Cidadão, pois todos os elementos do CROMAS eram seus sócios e o grupo começou a funcionar, praticamente, como uma delegação da APBC em Almada.

No Natal desse ano de 1978, quando a Cruz Vermelha Portuguesa e a R.T.P, com a colaboração de Fialho Gouveia, Carlos Cruz e Raul Solnado, organizaram a célebre "Operação Pirâmide", lá esteve a Banda do Cidadão em força, representada pela Associação Portuguesa da Banda do Cidadão e a secção de comunicações dos Bombeiros Voluntários de Almada.

As verbas apuradas das dádivas dos cebeístas, foram todas canalizadas para a compra de equipamentos CB e antenas, para equipar as principais viaturas dos Bombeiros Voluntários de Almada.
Assim, quatro ambulâncias, um auto-tanque, um auto-reboque e um auto-pronto socorro ligeiro (APSL - carro equipado com depósito de 500 litros de água, sendo o primeiro a avançar para um fogo), ficaram, além do VHF próprio, com comunicações CB, operando em canal 9 e controlados pela central.

A central de comunicações era operada, 24 por 24 horas, por quatro funcionárias trabalhando em turnos. Foi criado um curso básico de procedimentos de radiocomunicações, adaptado ao funcionamento da Banda do Cidadão na época.
Em 1978 e 1979, a DST (Direcção de Serviços de Telecomunicações) fazia escuta à Banda do Cidadão e as inspecções eram um facto, especialmente às estações mais activas.
Como era de esperar, a central dos B.V. de Almada foi algumas vezes visitada pelos fiscais da DST mas tudo estava legalizado e o tráfego de comunicações em canal 9 era feito dentro dos parâmetros da lei.
Foi primeira e a única central de emergência rádio CB que existiu em Portugal, funcionando em pleno, 24 horas por dia, sete dias por semana com pessoal preparado para o efeito.
Na região da grande Lisboa, quem solicitasse ajuda em canal 9, e desde que o apelo fosse escutado com um mínimo de condições, saía de imediato uma viatura para prestar auxílio.

Muitas vezes haviam falsos alarmes, mas a ajuda saía sempre, pois além de não existir meios de confirmação do pedido de ajuda, podia estar uma vida em perigo. Era uma despesa e transtorno que tinha de ser assumido.
Nem tudo foram rosas, mas com patrocínios, muito trabalho e dedicação, a central laborou durante um ano. Na grande Lisboa, e não só, todos os utilizadores da Banda do Cidadão tinham conhecimento da existência da central de emergência rádio CB dos B.V. de Almada.
Quem tivesse um equipamento de CB, tanto em fixo como em móvel, e necessitasse de auxílio chamavam, em canal 9, os B.V. de Almada para todo o tipo de ajuda, apoio e assistência.

Sinistrados de alguns acidentes de viação, especialmente na auto-estrada do sul no troço entre a Ponte 25 de Abril e o Casal do Marco e na via rápida para a Costa de Caparica, foram assistidos e transportados para os hospitais devido ao pedido de ambulância aos B.V. de Almada, através do canal 9.

Serviços de saúde, transportando doentes para consultas e bancos de urgência de hospitais. Pedido de auto-reboque para transporte de viaturas avariadas. Informações das farmácias de serviço no Concelho de Almada e Seixal eram transmitidas, quando solicitadas. De hora a hora era lido em canal 9, por uma operadora da central, a lista das viaturas furtadas na área metropolitana de Lisboa.
Pedido de medicamentos, para doentes em estado grave, eram feitos e recebidos através do canal 9, tendo-se deslocado por duas vezes uma viatura dos B.V. de Almada à fronteira de Caia de uma vez, e de outra a Vilar Formoso receber medicamentos pedidos a Espanha para familiares de dois cebeístas que se encontravam internados em estado grave.

Que mais dizer de quando a Banda do Cidadão cumpria a sua função e era respeitada e defendida pela maioria dos seus utilizadores?
Foi o início da curta época de ouro da Banda do Cidadão.
Depois da desactivação da central de emergência rádio CB dos B.V. de Almada, devido ao afastamento do seu responsável por não estar de acordo, nem se envolver na luta pelo poder (nem a ele lhe dizia respeito, pois era somente cebeísta ), devido à morte do comandante José Brás, surge no Concelho de Almada um grupo de cebeísta liderados pelo colega Vítor Reis, que irão fundar o célebre “Caparica CB”.
O Caparica CB nada tendo a ver com a extinta central, continua com o mesmo espírito e cria, na sua sede, um serviço de escuta em canal 27, dando apoio e informações a quem solicitasse.

Presentemente, com a evolução tecnológica e com a facilidade e abundância de meios de comunicação rápidos e fiáveis, muitos pensarão que toda este descrição pode ser considerada obsoleta, despropositada e saudosista. Talvez sim. Ou, talvez não. Tudo depende das circunstâncias e do grau de risco de vida em que alguém se encontre.
Quantas vezes os meios tecnológicos mais avançados têm falhado? E o que resta? O retorno às origens.

Veja-se o que presentemente se está a passar em Portugal com a colocação dos professores, dependendo dos meios informáticos tecnologicamente mais avançados.
Com toda essa tecnologia de ponta adquirida com verbas exorbitantes, houve a necessidade imperiosa de voltar às origens. Ou seja, elaborar as listas de colocação como se fazia à 50 anos atrás.
Toda a gente já reconheceu que a presente bandalheira e imundice é resultante da incompetência, aldrabice, laxismo, demagogia barata e hipocrisia de todos os responsáveis pelo sector.

Veja-se o que aconteceu no passado ano de 2003 com os incêndios que devastaram mais uma enorme mancha florestal e não só, do nosso país.
Em Portimão, quando o fogo destruiu na Serra de Monchique as torres de radio e telecomunicações civis e militares tecnologicamente evoluídas, quem é que lá estava para minorar a situação? A Banda do Cidadão.

Concordamos e somos pelo progresso, utilizando todos os meios que a tecnologia mais avançada nos proporciona. Mas como tudo na vida, nada é perfeito, porque todos estes bens são a resultante da capacidade humana e ela própria é imperfeita e falível.
Não se pode só olhar para um lado. Há que temperar os impulsos, raciocinar com ponderam e concluir que não é coerente e menos inteligente depender só de uma forma e de um sistema.

Com a excepção de muitos camionista e alguns praticantes de todo o terreno, quem é que, actualmente, utiliza a Banda do Cidadão na sua viatura? Uma minoria. E é compreensível, devido ao aparecimento dos celulares e à alteração ao código da estrada que impede de conduzir e falar ao microfone, ocupando uma mão com o microfone. Há o kit de mãos livres para o CB, mas quem o utiliza?

Devido a estas circunstâncias, pensamos que não se justifica os Bombeiros Voluntários terem um serviço permanente de escuta em canal 9, o que não impede que tenham o equipamento CB operacional para funcionar e prestar auxilio em momentos especiais, tais como cobertura a provas desportivas e vigilância rádio CB como a que a Delegação de Trás-os-Montes da Liga para a Defesa da Banda do Cidadão levou a efeito na Páscoa do presente ano de 2004, no IP4.
No caso de uma catástrofe, em que não haja qualquer tipo de comunicações nem energia eléctrica, será a ocasião propícia para que os Bombeiros Voluntários liguem o CB a uma bateria e possam, através do canal 9, ser informados pelos que têm o CB na sua viatura, de onde é necessária a sua intervenção, salvando vidas e bens.
O CB não é obsoleto, como alguns teimam em considerar; continua a ser um meio e uma forma de comunicação útil, económica, livre, popular e essencialmente de utilidade pública.
O CB com meio de comunicação rápido e fiável, logicamente, está ultrapassado mas não morto ou irradiado, porque tem provado por várias vezes, e muito recentemente, que continua a ser uma forma válida e alternativa às rádio e telecomunicações actuais.

A nível de radioamadorismo não entendemos que não haja emergência rádio como existiu, em 1978 / 1979, nos Bombeiros Voluntários de Almada a nível de Banda do Cidadão.
Com os meios e capacidades que essa gente tem, não se compreende que não haja nada a nível de emergência rádio. Nem um repetidor de VHF sob escuta continua numa Associação de Bombeiros, com tantos bombeiros voluntários com carta de radioamador.

Será o nosso próximo tema: A emergência rádio no radioamadorismo.

Quando, Vítor Reis pergunta, (...) ”Porque continuamos a insistir em não valorizar o voluntariado?”, eu respondo com uma pergunta:
Quando à 30 anos se perguntava a um estudante acabado de entrar na Universidade, quem tinha descoberto o Brasil, a resposta teria sido igual à “bacorada” que se ouviu da boca de alguns estudantes, agora, acabados de entrar na Universidade e entrevistados pela TVI ?

Neste país, continua-se a insistir em não valorizar o voluntariado, em não valorizar a educação, em não valorizar a cultura, em não valorizar o ensino, em não valorizar o respeito, em não valorizar a tolerância, etc., etc., etc..

São os sinais dos novos tempos. É a substituição da qualidade pela quantidade. É a sobreposição do protagonismo rasca, desenfreado e a qualquer preço, ao saber estar em função das capacidades reais e comprovadas provas de competência, respeito e responsabilidade,
É-se pela não valorização dos princípios básicos e fundamentais de uma liberdade que a todos nós, povo, nos prometeram à tinta anos atrás, com o argumento que esses princípios eram omissos na sociedade de então.

E agora, onde estão esses valores?

No fundo de algum saco azul que alimenta a corrupção, a bandalhice e o oportunismo da maioria dos nossos políticos de pacotilha?
A abundância dos “casos” existentes na nossa sociedade civil e militar, também, e o estado de quase caos a que esta pequena república das bananas chegou, já fazem parte do nosso quotidiano sustentado no prosac e no xanax.
Agora, já nada nos espanta...

É triste e lamentável, mas não é inédito, que Bombeiros se gladiem com o INEM e vice-versa. É mais um espectáculo vergonhoso como o que a Liga de Bombeiros, Associação dos Bombeiros Profissionais, Protecção Civil e Ministério da Administração Interna, deram nos debates (insultos e ataques) televisivos após os incêndios do Verão de 2003.

Já ninguém dá muita importância ao assunto. É mais um “caso”... Eles são tantos... Felizmente, que ainda há muita gente conduzindo a sua vida e defendendo as suas convicções à luz de valores que não têm preço. É a reserva moral da Nação, como o CB é a reserva estratégica do apagão.

Luís Forra
Estação CB "Dakota Bravo"
25-09-2004

Este site está optimizado para ser visualizado em 1440x900

Copyright © 1996, Portugal Rádio CB