INCÊNDIOS 2003

Todos os anos é a mesma mascarada de quem incendeia, como se pode evitar o incêndio, os meios de combate ao incêndio são poucos, a prevenção ao incêndio é restrita, as verbas são reduzidas para fazer face ao problema, os políticos sacodem a água do capote, etc., etc. e etc..
No fim da época dos incêndios e dos incendiários, que coincide - mais ou menos - com a época balnear, todos nós respiramos de alivio porque a tormenta passou apesar de termos ficado mais pobres, ligeiramente chamuscados e com algumas bolhas na pele devido a algum escaldão que não estava nos nossos planos.
Todos nós ficamos com o nosso património florestal mais reduzido, alguns ficaram com o seu sustento em risco, outros receberam auxílio médico e hospitalar devido a queimaduras e intoxicações provocadas pelo fumo.
Os bombeiros ficaram com algumas dezenas de metros de mangueiras queimadas, diversos carros avariados outros parcialmente destruídos.
Os meios aéreos terminaram os contratos e recolheram ao hangar.
Os incendiários foram de férias de inverno, porque a água e a humidade é inimiga das chamas e os tribunais têm mais com que se preocupar do que reter essa gente.
Os políticos – como habitualmente – vem com a demagogia barata dos números e estatísticas bem preparadinhas para “portuga” ver e ouvir no telejornal da noite.

O rescaldo foi feito e as conclusões oferecidas ao zé contribuinte, numa bandeja de lata cromada a imitar aço inox (a prata foi vendida para equilibrar o orçamento geral do estado), ainda cheirando a esturro.
Depois de se concluir que foram mais uns milhares de hectares subtraídos à mancha florestal nacional e ao pulmão natural que purifica o ar que todos nós deveríamos de respirar, o pano da amnésia colectiva cai sobre a cena, encerrando o último acto desta “teatrada” cujos protagonistas somos nós todos.

Só que este ano o caso muda de figura. Este ano a desgraça costumeira virou em hecatombe.
Ainda a época vai em metade e já há a lamentar 14 vidas perdidas, centenas de habitações consumidas pelas chamas, muitas indústrias e vastas áreas agrícolas totalmente destruídas, muitas aldeias e vilas parcial ou totalmente consumidas por monstruosas colunas de fogo, um número incalculável de vidas arruinadas, de dezenas de anos de árduo trabalho perdidos em poucas horas e famílias em pânico total.
Enfim, um turbilhão de desgraça, medo, frustração, raiva, revolta e sei lá que mais sentimentos e emoções podem passar por toda esta população afectada directa ou indirectamente por esta real, mas incompreensível calamidade nacional.
Todos os Distritos de Portugal estão em chamas.

Portugal está a arder.

Ninguém tenha dúvida que mais uma enorme desgraça nos bateu à porta. Ninguém tenha dúvida que, infelizmente, todos nós, mesmo os que nada directamente sofreram e estão neste momento a gozar as suas férias merecidas à beira-mar, iremos pagar uma factura muito pesada, devido às consequências desta calamidade.

E agora? Agora o que é vai acontecer? Para já, e de imediato, surgiu em toda a comunicação social, deste país à beira mar queimado e em cinzas, outra vergonha nacional: as autoridades entraram em rota colisão. Ninguém se entende, acusam-se mutuamente e quase que se insultam, criando aos olhos dos portugueses um vergonhoso e degradante espectáculo mediático. Chaga-se ao extremo de se afirmar que os bombeiros sapadores não sabem apagar fogos.
O Serviço Nacional de Bombeiros e Protecção Civil é acusada de incompetência e falta de coordenação. A Associação Nacional de Bombeiros Profissionais ameaça que depois dos fogos apagados não mais irá obedecer ao Coordenador Nacional.
A Liga dos Bombeiros Portugueses insurge-se contra quem põe em causa ou se esquecem do valor demonstrado pelo bombeiros voluntários, solicitando ao Ministro da Administração Interna uma reunião magna com a presença da Associação Nacional de Municípios Portugueses e dos principais responsáveis operacionais que estiveram no terreno ao longo da calamidade que tem afectado o nosso país.
Alguns autarcas acusam os bombeiros de ineficácia e falta de coordenação no ataque aos incêndios, pedindo a demissão do Ministro da Administração Interna.
O que é que se está a passar em Portugal?

Já não bastava a grave crise financeira em que a todos nós, nos mergulharam e nos obrigam, em grande parte, a resolvê-la.
Os consequentes despedimentos em série causando o endividamento e lançando para um estado quase de pobreza, centenas de famílias portuguesas, resultando numa taxa de desemprego nunca atingida.
A corrupção desenfreada e descarada de uma larga franja da nossa sociedade académica, desportiva, política e policiais que traçam o nossos destinos, tendências, opiniões, vigiando os nossos actos e fazendo com que cumpramos as leis.
O vergonhoso e nojento escândalo nacional do abuso sexual de crianças, perpetrado, compulsiva e continuadamente por figuras públicas conhecidas e estimadas, algumas delas pertencendo ao aparelho do estado. A ineficácia demonstrada, ao longo de todos estes anos, pela máquina judicial e judiciária na investigação, julgamento e condenação de tão hediondos crimes.
A complacência e a total apatia da classe política governante que, com conhecimento dos factos, deixou a nódoa alastrar, irremediavelmente, ao longo de todos estes anos, contribuindo para o desespero e suicídio de algumas das muitas vítimas inocentes da sofreguidão sexual asquerosa de alguns, considerados, intocáveis...
A nossa dependência do exterior, com maior evidência para os nossos vizinhos espanhóis, que já dominam o nosso mercado financeiro e nos “obrigam” a consumir, em grande maioria, os produtos alimentares, vestuário, calçado e muito mais, contribuindo para o agravamento da balança de pagamentos com o exterior e a costumeira última posição no ranking dos países pertencentes à união europeia, é bem o espelho daquilo que somos em tempo e espaço real e não virtual.
Já não bastava tudo isto e ainda temos que assistir ao triste espectáculo das confrontações verbais das entidades que, mais do que nunca, deveriam estar unidas, lúcidas e colaborantes?
Todas estas situações acusatórias, entre entidades responsáveis, não serão a consequência lógica da falta de vontade política dos consecutivos governos que temos tido, para que, de uma forma substancial e efectiva, possam minorar consideravelmente este flagelo nacional?

Apesar de não ser político, nem tão pouco perceber da função, mas pelo conhecimento real que tenho do nosso país, devido à minha vida profissional, obrigando-me a percorrer muitas centenas de milhares de quilómetros, ao longo de 40 anos, por veredas, caminhos de cabra, azinhagas, carreiros, caminhos florestais, estradas mais ou menos alcatroadas, estradas devidamente alcatroadas e auto-estradas, irei dar uma opinião despretensiosa sobre a forma de minorar este flagelo dos incêndios florestais, se tivesse poder e dinheiro para o fazer. Ou seja, se fosse Ministro da tutela.
Também com experiência adquirida ao longo de alguns anos (poucos), a que pertenci a uma Associação Humanitária de Bombeiros Voluntários, tendo tido uma actuação activa no terreno, no combate a fogos na floresta, também não serei propriamente um leigo na matéria e poderei dar uma “achega” a determinadas situações que não me parecem muito correctas.
Os muitos anos em que todos meses participei nas expedições rádio CB às Serras de Portugal, usufruindo das instalações e do convívio dos vigias que se encontram nas respectivas torres no alto das Serras, deram-me a percepção e o conhecimento da nomenclatura estabelecida pelo Ministério da Agricultura para este sector da vigilância sazonal, com pessoas contratadas para o efeito mas sem um mínimo de preparação técnica para desempenhar uma função com um certo grau de responsabilidade.
Na segunda parte deste artigo de opinião, cujo título será: “E se fosse eu?”, darei, na minha modesta opinião, algumas achegas e apontarei alguns caminhos que considero correctos e consensuais.

Luís Forra
Estação CB "Dakota Bravo"
Outubro de 2003

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